Como a Dafiti se blinda contra incerteza no varejo e concorrência acirrada

(IstoÉ Dinheiro)
por Beto Silva

Fabio Fadel chegou à Dafiti há pouco mais de um ano para mudar a vitrine do fashion commerce.

Fabio Fadel brinca que sempre chegou atrasado nas festas. Quando estudou marketing na ESPM, entre 2004 e 2007, queria ser publicitário para trabalhar em grandes agências, que naquele momento esbaldavam luxuosas produções para promover as marcas. Mas quando entrou no mercado de trabalho, a festa das campanhas milionárias já estava acabando. Em seguida, viu de fora o bom momento do varejo brasileiro. Em 2014, quando alçou ao cargo de gerente de Planejamento Comercial da Pernambucanas, o setor entrou em crise e iniciou um processo de turnaround. A festa estava chegando ao fim mais uma vez. Já na pandemia, observou o boom dos negócios digitais enquanto fazia parte de uma companhia focada no modelo físico. Em maio de 2022, foi contratado pela Dafiti, plataforma de fashion commerce nativa digital, no momento em que o varejo on-line passava por reestruturação pós-pandêmica. Mais uma vez Fadel estava atrasado. Porém, agora é diferente.

Ele encabeça um projeto de mudança do modelo de negócio da empresa paulistana que ganhou notoriedade por vender calçados e pontas de estoque de marcas famosas pela internet. É hora de promover a própria festa. “Temos um enorme desafio. A lógica que trouxe a Dafiti até aqui não é a mesma que irá levá-la para o futuro”, afirmou à DINHEIRO Fadel, cujo cargo oficial é lead Brasil.

Na prática, Fadel comanda a operação brasileira da empresa que atualmente faz parte do Global Fashion Group (GFG), dono também da Zalora (que atua em Brunei, Cingapura, Filipinas, Hong Kong, Indonésia, Malásia e Taiwan) e The Iconic (Austrália e Nova Zelândia).

Em 2022, a holding vendeu 1,61 bilhão de euros (0,7% a mais do que em 2021), com 27,9 milhões de pedidos emitidos (+14,3%) por 11,2 milhões de clientes ativos (+16,5%), em um tíquete médio de 57,8 euros (+15,9%).

Mas antes de promover sua festa na Dafiti, ele tem de organizar a anterior. Colocar algumas coisas no lugar, descartar outras, trocar a decoração. No caso da fashiontech de moda e lifestyle, mudar a vitrine. Literalmente.

Dafiti possui moderno centro de distribuição em Extrema-MG e escritório na capital paulista, onde também foi montado um grande estúdio fotográfico com capacidade para produzir 2 mil imagens por dia que vão abastecer a plataforma de vendas

Dafiti possui moderno centro de distribuição em Extrema-MG e escritório na capital paulista, onde também foi montado um grande estúdio fotográfico com capacidade para produzir 2 mil imagens por dia que vão abastecer a plataforma de vendas

Longa jornada internet adentro

Antes de detalhar o mote do que está por vir e os motivos que levam o executivo a reorganizar a companhia, é preciso abordar como foi a jornada da Dafiti até aqui, em seus 12 anos de atividade.

Fundada por quatro sócios — o brasileiro Philipp Povel, o francês Thibaud Lecuyer e os alemães Malte Huffmann e Malte Horeyseck —, a empresa surgiu em 2011 em uma casa no bairro paulistano do Itaim.

Vendia calçados exclusivamente pela internet. Começou a escalar ao mesmo tempo em que recebia importantes aportes.

Nos três primeiros anos, angariou US$ 250,5 milhões de fundos como International Finance Corporation, do Banco Mundial, Investment AB Kinnevik, J.P. Morgan Securities, Ontario Teachers’ Pension Plan, Quadrant Capital Advisors e Rocket Internet. Abriu escritórios por Argentina, Colômbia, Chile e México (operação que posteriormente foi vendida).

A expansão ocorreu a partir de uma estratégia diferenciada. Ao ampliar o portfólio e oferecer opções aos clientes não só para os pés, mas dos pés à cabeça, a Dafiti procurou grandes marcas para sua plataforma.

A premissa naquele momento era de que quanto mais produtos conhecidos estivessem no site a barreira de entrada do consumidor no mundo digital seria quebrada e o e-commerce, mais procurado.

Os executivos da empresa também aproveitaram uma situação peculiar do varejo. As grandes marcas trabalhavam com o chamado risco de estoque. Armazenavam mais produtos para não perder vendas. Isso não custava tanto em meados da década passada.

A Dafiti percebeu uma oportunidade e se apresentou com a proposta de liquidar esse saldo. Comprava os lotes encalhados em condições mais favoráveis e os vendia na plataforma como ponta de estoque, com uma ação de publicidade digital bem definida. Criou-se, então, uma alavanca de negócios positiva em que todo mundo ganhava.

O modelo chamou a atenção do Global Fashion Group, que em 2014 incorporou a Dafiti a seu negócio.

Em 2015, outras duas marcas nativas digitais — Kanui e Tricae — se juntaram à operação e formaram o Dafiti Group, que se tornou a maior fashiontech da América Latina.

Em 2019, o GFG fez seu IPO na bolsa de valores de Frankfurt. Segundo o consultor especializado em varejo e transformação digital Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, existem “méritos inegáveis da Dafiti” nessa trajetória. “Alcançou escala relevante, sendo digital pura. Tem base ativa, tráfego de Google que equivale a 50% o da Renner, que é a maior do Brasil especializada em moda. Conseguiu formar base, volume grande de clientes e se posicionar.”

Porém, alerta que o futuro é desafiador. E muito distante do vivido durante a Covid-19.

Aí vieram os recordes

O modelo de negócios da Dafiti, que garantia crescimento de 40% a 50% a cada ano, ganhou ainda mais robustez durante a pandemia. Em 2020 e 2021, com as lojas físicas dos concorrentes fechadas, bateu recordes de vendas.

Operacionalmente estruturada para atender uma alta demanda do mercado digital, a companhia gerou em 2020 um net merchandise value (NMV) de R$ 3,4 bilhões, com 7,7 milhões de clientes ativos.

Mas os concorrentes se prepararam melhor para atuar no digital. E com o fim gradual do isolamento social, o e-commerce começou a se estabilizar. O comércio on-line brasileiro movimentou R$ 262 bilhões em 2022, crescimento de 1,6% em relação ao ano anterior (R$ 258,5 bilhões), segundo dados da Nielsen/Ebit. Quase uma estagnação.

É aqui que entra a visão de mercado de Fabio Fadel para mudar a vitrine da Dafiti. Ele chegou à empresa em maio de 2022, após 16 anos na Pernambucanas, onde atuou como diretor-executivo Comercial, de Planejamento, Logística e Abastecimento.

Na bagagem acadêmica:

* MBA em Inteligência Competitiva na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe),
* especialização em Estratégias Econômicas Corporativas na Université Pierre Mendès (França)
* e MBA em Gestão de Varejo na Fundação Instituto de Administração (FIA).
* Claro, amparado também pelo time C-Level da Dafiti e a consultoria do próprio GFG, proprietário da companhia.

O desafio da concorrência

Hoje a Dafiti encara mais e melhores concorrentes, inclusive os chineses SheinShopee e AliExpress, que entraram com tudo no mercado nacional.

Outros players, antes focados no físico, agora transitam bem pelo digital. As grandes marcas usam o ambiente virtual para vendas e branding. A mídia on-line ganhou força e a publicidade nesse ambiente ficou mais cara.

A economia patina com juros básicos na casa dos 13,75%. Acrescente-se aqui uma boa pitada de crise financeira setorial causada por erros e gestões ineficientes de AmericanasMarisa e Tok&Stok.

Ingredientes suficientes para criar um cenário desafiador e tanto. Para Alberto Serrentino, do ano passado para cá ficaram claros o reequilíbrio das agendas e o foco em otimização e crescimento sustentável do segmento.

“Hoje existem menos alavancas promocionais, mais proteção de imagem, menos políticas agressivas subsidiadas de frete e parcelamento”, disse. “A C&A tinha vendas no digital abaixo dos 5% [antes da pandemia] e hoje é mais de 20%. Magalu entrou em moda com Netshoes e Zattini [a partir de 2019]. Aumentou a carga de concorrência.”

A hora de mudar a vitrine 

Tudo levou a Dafiti a mudar sua proposta de valor. Havia, segundo Fadel, dois caminhos.

Um deles, “que vende tudão”, em que prevalecem os marketplaces com milhares de sellers e o que vale é o volume de vendas. Aqui também entram as gigantes asiáticas. Nesse caminho, a fashiontech brasileira teria de colocar muito dinheiro para se destacar.

A Dafiti optou pelo outro ladofazer uma boa curadoria de moda, com time to market azeitado e exclusividade de algumas marcas e produtos, para colocar o que é tendência no seu core. Na prática, deixar de lado a ponta de estoque que a consagrou e partir para o negócio fashionista. Mudar a vitrine de fato.

De janeiro a março deste ano, Fadel fez reuniões com mais de 50 das principais marcas parceiras para explicar o plano da festa.

A empresa tinha em seu melhor momento 600 marcas, 3 mil sellers e 500 mil SKUs. Reduziu para 450 marcas, menos de 1 mil sellers e metade dos SKUs. Com mais qualidade exposta, o tíquete médio aumentou 25% de janeiro a junho.

Hoje a companhia importa marcas como Banana RepublicCotton OnGapJack & JonesLauren by Ralph Lauren (exclusiva Dafiti), Polo Ralph LaurenTrendyol e Vero Moda.

E por que o consumidor compraria uma jaqueta da Gap na Dafiti e não diretamente da marca? “Porque com a gente vai ter jaqueta da Gap, camisa da Polo Ralph Lauren, calça da Calvin Klein, um item da Adidas e tênis da Nike. Tem curadoria multimarca que faz sentido para o cliente Dafiti, que se enxerga na coleção”, disse o executivo.

“E com uma parte do sortimento exclusivo, tem o valor não só para o consumidor, mas para as marcas também.”
Fabio Fadel, líder da Dafiti no Brasil

O caminho da expansão

Carlos Ferreirinha, presidente e fundador da MCF Consultoria, afirmou que diante das muitas adversidades, incertezas e questionamentos apurados no mercado brasileiro nos últimos anos, as empresas precisam, de fato, fazer testes e ajustar caminhos. “Minha reflexão é que tem de ter coragem de tomar outras direções”, disse. “Quando olho dessa forma, a Dafiti está coerente naquilo que se espera de companhias que buscam encontram outras formas de encontrar seu sucesso e expansão.”

“A lógica que trouxe a Dafiti até aqui não é a mesma que irá levá-la para o futuro.”
Fabio Fadel, líder da Dafiti no Brasil

Há outro componente de peso na equação. A Dafiti tem usado o GFG com um ativo para crescer no Brasil.

Até então, o grupo alemão era mais um consultor e mais usava a companhia brasileira do que era usado. Isso mudou. A holding atuou para trazer ao País a espanhola Mango, conhecida por suas peças do vestuário feminino que está na seção premium da Dafiti, e a Topshop, icônica marca britânica conhecida por ser a única fast fashion que já desfilou na semana de moda londrina.

Ambas têm exclusividade de vendas pela Dafiti, com produtos disponíveis desde março na plataforma. Ferreirinha avalia como “vantagem competitiva” esse apoio do GFG.

“Possui práticas e visão internacional que fazem sentido nas análises. Mais do que um guarda-chuva, a Dafiti tem um guarda-costas.”
Carlos Ferreirinha, presidente e fundador da MCF Consultoria

Fabio Fadel realiza reuniões praticamente diárias com executivos do GFG e pretende “acionar cada vez mais a holding”. Agora com nova vitrine da Dafiti, ele quer participar do melhor da festa, com a roupa da moda.

Visão de mercado

Entrevista com Fabio Fadel, líder da Dafiti no Brasil

Menos dinheiro
“Depois de um bom momento durante a pandemia, o varejo passa por uma certa crise de demanda. Com inflação e juros, há menos dinheiro no bolso do consumidor, que prioriza itens básicos, como alimentação. O setor também passa por uma crise de credibilidade por parte dos agentes financeiros que concedem crédito.”

Credibilidade
“O varejista, de maneira geral, dá atenção para aquilo que é mais sexy: moda, inovação, modelo de loja… Mas o que traz credibilidade é saber fazer uma boa gestão de capital.”

Estoques
“A regra do varejo é ter três para vender um. Hoje está mais previsível com as tecnologias, mas não usa com a intensidade necessária. O setor está sempre mais otimista do que a realidade nos mostra.

Futuro
“A crise econômica atual deve ser mais prolongada do que outras. Acredito em uma recuperação mais lenta. Baixando gradualmente os juros. Mas para o setor ser mais bem visto e ter mais investimento, é preciso mostrar que as empresas são bem administradas.”

 

Fonte: IstoÉ Dinheiro
https://istoedinheiro.com.br/como-a-dafiti-se-blinda-contra-incerteza-no-varejo-e-concorrencia-acirrada/
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