Competição de marketplaces no Brasil pode beneficiar lojistas virtuais

(O Estado de S.Paulo)
Por Talita Nascimento

País tem competidores lutando para se firmar como principais ecossistemas de compras dos consumidores.

Quando se trata de dizer como os anúncios de seus lojistas virtuais são ranqueados nas buscas dos clientes, as plataformas de comércio virtual têm dificuldade de mostrar uma conta clara.
Essa classificação é feita por algoritmos que levam em conta, por exemplo, a rapidez de entrega, preços e a reputação da loja. Para ganhar esse destaque, porém, muitos vendedores se veem sem escolha no que diz respeito à  contratação de serviços desses marketplaces para melhorar seu desempenho nesses critérios. Ainda assim, como o País tem competidores lutando para se firmar como principais ecossistemas de compras dos consumidores, os lojistas ainda têm como escapar de um monopólio.
O fundador da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino, explica que, se por um lado as plataformas de e-commerce ajudam a digitalizar o varejo brasileiro, por outro, existe, sim, uma busca crescente dessas empresas pela diversificação de fontes de receita. “À medida que o marketplace fica maior que o estoque próprio, seu negócio passa a ser vender serviços: logística, crédito e mídia”, diz.
No entanto, o fato de o e-commerce estar em crescimento do País gera mais competitividade entre as plataformas. “No Brasil provavelmente não haverá concentração tão grande como nos Estados Unidos. O volume bruto de mercadorias da Amazon nos EUA chega a cerca de 40% do mercado. O segundo colocado, o Walmart, tem em torno de 7%. Isso dá muito poder e gera críticas a respeito do mau uso desse poder”, diz Serrentino.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), Rodrigo Bandeira, acredita que, com o tempo, os vendedores vão ficar dependentes de plataformas de marketplace, mas não de uma específica. “Mesmo que você tenha players dominantes, há uma corrida feroz de competidores muito competentes”, afirma.
Ele explica que o destaque dos produtos de cada vendedor nas plataformas é calculado por uma série de fatores. “Rapidez de entrega daquele ‘seller'(vendedor), se ele oferece nota fiscal, preço do produto e número de vendas. É um conjunto que vai além da utilização dos serviços desses varejistas”, diz.
Bandeira ressalta que o oferecimento desses serviços de logística e publicidade, aliás, são formas de profissionalização desses comerciantes, que passam a entregar de maneira mais ágil e atingir mais clientes.
“Não tem ninguém muito bonzinho ou ruim nessa história. O lojista embarca uma gestão profissional, mas, por outro lado, paga comissão. O marketplace ganha comissão pelo produto e pelo frete”, exemplifica.
Ele pontua, porém, que lojistas que não precificaram seus artigos de maneira correta, acabam não conseguindo lucrar com a venda ao contratarem mais serviços. Vale lembrar, no entanto, que o preço costuma ser um critério de classificação.

Questão de tempo
Para Marcelo Fujimoto, CEO da Mandaê, startup que fornece logística para pequenos varejistas, acredita que esse cenário competitivo é temporário e que os empreendedores devem buscar alguma emancipação dessas grandes plataformas, com soluções criativas.
“A competição é temporária. Daqui três ou cinco anos vamos ver uma consolidação do mercado. Nosso mercado ainda está fragmentado, mas isso acontece porque ele está crescendo e permite vários players”, afirma. Ele diz que esse modelo de negócios cresce em um efeito de rede, no qual quanto mais lojistas, mais tráfego de clientes e, quanto mais tráfego, mais lojistas.
“A rapidez de entregas proposta pelos marketplaces impõe aos lojistas menores a mesma necessidade de entregar rápido”, diz Fujimoto. Dessa maneira, segundo ele, fica inviável não fazer uso dos sistemas de entrega que essas empresas oferecem, mesmo que a adesão seja voluntária.
O diretor executivo de marketplace do Magazine Luiza, Leandro Soares, afirma que o que define a ordem de aparição dos produtos no shopping virtual da companhia é um algoritmo que mescla diferentes medidas. “A gente sempre coloca como primeiro critério o que o cliente procura: frete grátis e entrega rápida. Isso, e outras métricas definem a ordem de aparição, usando a nossa logística, ou não”. Dentre os demais critérios para a classificação dos vendedores na busca, está o nível de serviço daquele lojista, por exemplo.
Ele diz que todos os serviços disponibilizados pelo Magazine Luiza são opcionais e que há produtos de lojistas que aparecem ranqueados de forma melhor que os produtos próprios do Magalu. No entanto, quando questionado a respeito de como o lojista menor pode oferecer uma logística tão eficiente, ele responde: “É muito difícil conseguir no mercado uma entrega tão rápida e barata como a gente faz”.
O Magazine Luiza afirma ter como missão “digitalizar o varejo brasileiro” e isso passa, necessariamente, pelo comércio de serviços aos parceiros. Tanto é que nas mais de 20 aquisições da companhia, estão empresas de logística, de publicidade, bem como veículos que atraem tráfego e plataformas de conteúdo. Tudo isso para atrair mais clientes e, em um efeito de rede, mais vendedores, que usam seus serviços para atrair mais clientes.
Soares afirma ainda que a plataforma não usa dados dos vendedores para desenvolvimento de produtos. Para isso, são utilizados dados de consultorias independentes, segundo o executivo.
Liderança
Hoje líder em vendas do setor, o Mercado Livre é alvo frequente das críticas de lojistas. No primeiro trimestre de 2021, a companhia registrou US$ 6,1 bilhões em vendas, crescimento de 77,4% em relação ao mesmo período de 2020.
Em nota, o Mercado Livre afirmou que seu objetivo é “proporcionar a melhor experiência de compra, que depende também da agilidade e da qualidade da oferta do vendedor, medida a partir de diversos fatores. A plataforma não obriga os vendedores a contratar os serviços para gerar maior visibilidade, todos têm igual acesso às soluções oferecidas pelo ecossistema, que colaboram para melhorar a experiência do consumidor”.
A Lojas Americanas, por sua vez, informou que “nos contratos com os lojistas parceiros que vendem na plataforma não há qualquer obrigação de adesão aos serviços de alavancagem de vendas disponibilizados. “Temos como objetivo gerar maior conversão de vendas para os nossos parceiros e entregar ainda mais conveniência aos nossos clientes. Para isso, oferecemos diversas soluções que vão desde serviços de tecnologia e logística até treinamentos de vendas e desenvolvimento de negócios, sempre opcionais e, em sua grande maioria, gratuitos”.
Segundo a Lojas Americanas, a ‘solução de advertising’ (publicidade) da companhia, teve um crescimento de 410% no número de anúncios ofertados no primeiro trimestre deste ano e gerou aumento de 225% em conversões para os lojistas.
“Com nossa nova plataforma de marketplace, anunciada em janeiro, melhoramos essa e outras taxas de conversão e tivemos redução do cancelamento de pedidos e de atrasos na expedição de produtos, além de evolução no indicador de resolução de problemas de forma automatizada, sem intermediação do SAC (‘one click resolution’)”, escreveu a Americanas.
Procurada, a Via, que também aposta no marketplace como alavanca de crescimento da companhia, não se posicionou sobre o assunto. Em fevereiro, a companhia lançou seu serviço de logística para os vendedores da plataforma, o Envias.
EUA e Europa discutem regras mais claras
Inspirados no modelo do Alibaba e da Amazon, plataformas brasileiras de comércio eletrônico buscam oferecer cada vez mais serviços aos lojistas virtuais. Trata-se de uma forma de as empresas conseguirem se apropriar de uma porcentagem maior da venda desses parceiros, pois além da taxa pelo uso da plataforma, os vendedores passam a pagar pela logística ou por anúncios, por exemplo. A relação entre as duas partes pode ser tumultuada e vem despertando a atenção de autoridades no exterior.
Nos Estados Unidos, a Amazon é acusada de forçar os vendedores a contratar seus serviços, além de utilizar os dados de seus lojistas para desenvolver produtos próprios mais competitivos e, assim, sufocar as vendas desses empreendedores. O problema chegou a inspirar um projeto de lei que tramita no Congresso americano. Caso seja aprovado, será ilegal que uma empresa venda serviços como condição de acesso à sua plataforma. A companhia também não poderá beneficiar seus próprios produtos em detrimento dos de seus vendedores.
A Amazon dos Estados Unidos disse em nota que, como outros varejistas, analisa as vendas e os dados da loja para fornecer aos clientes a melhor experiência possível. “No entanto, proibimos estritamente nossos funcionários de usar dados não públicos específicos do vendedor para determinar quais produtos de marca própria lançar. Embora não acreditemos que essas determinar quais produtos de marca própria lançar. Embora não acreditemos que essas
reivindicações sejam precisas, levamos essas alegações muito a sério e iniciamos uma investigação interna”, escreveu a companhia. No Brasil, a empresa não se manifesta sobre o tema.
Segundo Fábio Pimentel, sócio do escritório J Amaral Advogados, esse tema já é debatido também na Europa, onde as grandes plataformas de intermediação que atingem determinadas características acabaram recebendo o nome de ‘gatekeepers’ (porteiros).
“As gatekeepers são empresas que atuam como um relevante elo entre dois ou mais grupos de usuários, como compradores e vendedores ou usuários de uma rede social, por exemplo. Quando alcançam uma grande parcela de um dos lados (compradores ou vendedores, por exemplo), essas plataformas podem acabar se tornando uma espécie de rota inevitável para comércio eletrônico”, diz.
Ele explica que a Comissão Europeia adotou regras que impedem que um agente do mercado consiga impor práticas lesivas. Ou seja, em vez de punir, a regra busca impedir que o fato em si ocorra. “É natural que o Brasil, país em que o comércio eletrônico vem se desenvolvendo com muita velocidade, enfrente esse tipo de discussão. Porém, sem um marco regulatório sólido, que defina com clareza quais são os limites de atuação das plataformas, é difícil falar em
ilegalidade”, diz Pimentel.
No Brasil, o comércio eletrônico já vive alguma dependência das grandes plataformas que, aos poucos, passam a impor ou gerar a necessidade da contratação de seus serviços.
Especialistas indicam que, em virtude de um mercado mais competitivo, os abusos denunciados por lojistas contra a Amazon nos EUA não devem acontecer no País nesse momento.
Ainda assim, o Mercado Livre já encara críticas de vendedores a respeito da obrigatoriedade do uso de sua logística quando os vendedores atingem frequência mais alta de vendas, bem como à imposição do frete grátis da plataforma, que tem custos para os lojistas. Além disso, vendedores acham difícil competir com os preços de algumas linhas de produtos ofertadas pela loja própria do Mercado Livre.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,competicao-de-marketplaces-no-brasil-pode-beneficiar-lojistas-virtuais,70003800650
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