Havan, a “jabuticaba”, tenta atrair investidores

(Valor Econômico)
Por Maria Luíza Filgueiras e Adriana Mattos

Havan, que quer ser avaliada em R$ 100 bi na B3, tem expansão forte de vendas, mas engatinha na internet.

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Luciano Hang, dono da Havan, tem 150 megalojas onde vende 250 mil itens, de calças e toalhas a
panelas e celulares — Foto: Daniel Marenco

Enquanto a atividade no comércio esboça uma retomada lenta, a rotina nos bastidores da rede de departamento Havan é intensa. Em processo de abertura de capital, seu fundador Luciano Hang tem feito uma série de reuniões com potenciais investidores.
Como define no primeiro slide de sua apresentação nesses encontros, a Havan é uma “jabuticaba brasileira”. São 150 megalojas, vendendo 250 mil itens – de calças e toalhas a panelas e celulares. Pelo que viram até agora, gestores e consultores ouvidos pelo Valor apontam uma varejista com cultura forte, relação estreita com fornecedores e expansão acelerada de vendas. Mas, enquanto grandes concorrentes crescem na área digital, a Havan engatinha. Investidores tentam mensurar também o “risco Hang”, em referência à polêmica personalidade do dono.
Essa combinação é que vai determinar quanto a Havan pode valer em bolsa. As reuniões com potenciais investidores ainda não tratam de valores, mas Hang já avisou aos bancos que a meta é avaliar a Havan em R$ 100 bilhões. Apenas uma varejista vale mais que isso em bolsa, o Magazine Luiza, com R$ 153 bilhões, e há 20 anos construindo seu braço on-line. A Lojas Americanas vale R$ 57 bilhões. A Via Varejo, R$ 33 bilhões. São operações diferentes, mas a Havan, de certa forma, acaba concorrendo com todas.
Dois grandes gestores que já se reuniram com a companhia avaliam que é possível a Havan ser avaliada em R$ 80 bilhões, mas seria um “múltiplo esticado”. “Com isso, poderiam chegar aos R$ 100 bilhões em determinado prazo de bolsa, se entregarem o que prometem”, diz um deles. “Tem que ter componente ‘tech’ para falar de múltiplos tão altos”, diz o outro.
Para valer R$ 80 bilhões, a companhia chegaria à bolsa com múltiplo de 53 vezes, se fechar o ano com Ebitda de R$ 1,5 bilhão – o que um gestor mais cético considera “um delírio”. Mas é só depois dessa rodada inicial que a companhia irá de fato testar números.
Aos investidores, Hang tem dito que sua rede é um destino: tem sortimento amplo, lojas com até três salas de cinema que acomodam quase 470 lugares e entretenimento infantil. Boa parte está localizada em cidades com menos de 200 mil habitantes. A empresa não costuma buscar o melhor ponto comercial – o que barateia a escolha de terrenos. Algumas lojas ficam em entrocamentos rodoviários, o que significa atender quatro ou cinco cidades com 15 mil habitantes. Hang diz ter mapeado endereços certos para 600 lojas no país e que a receita cresceu 37% ao ano, em média, por 12 anos.

Ativo nas redes sociais, Hang tem dito nas reuniões com investidores que não tem clientes, mas fãs. O NPS, um indicador que mede o grau de satisfação do cliente, é de 86 pontos na Havan (de 75 a 100 é a faixa de excelência). A empresa afirma que tem 4 milhões de seguidores no Instagram e 9 milhões no Facebook.
A rede inaugura, em média, 15 lojas ao ano, com pico de 20 novas unidades em 2019. São quase 90 mil metros quadrados a mais de área por ano, na média. Especialistas de varejo observam que sua produtividade é surpreendente no comparativo – com 1,8 mil pontos, a Lojas Americanas (sem o braço digital) faturou R$ 14 bilhões no ano passado, e a Havan, com 147 lojas, vendeu R$ 10,5 bilhões. Hang diz que já mapeou endereços para 600 lojas e considera que tem hoje 150 centrais de distribuição
Os analistas, no entanto, apontam uma lucratividade instável. As margens da Havan caem há três anos – o período com dados disponíveis no prospecto que apresenta a empresa aos investidores – algumas em ritmo acelerado, e antes da pandemia. A margem Ebitda chegou a 14% em 2019, sendo 17% em 2018 e 16% em 2017, e a margem líquida caiu pela metade no período, para 5,4%. O lucro líquido também sobe e desce.
“A Havan passou a vender mais eletrônicos nos últimos anos e isso vem afetando seus resultados, o que mostra como não é fácil entrar nessa disputa”, diz Gabriel Lima, presidente da Enext Consulting, empresa que já prestou serviços à Havan. “Em cama, mesa e banho, ela navega bem, pois fecha acordos com dezenas de pequenos fornecedores, mas eletroeletrônico, celulares é outro bicho”, avalia.
O braço digital poderia fazer diferença nesse segmento, na visão de especialistas. Na Havan, a internet representou apenas 0,7% das vendas no ano passado e caiu para 0,3% no primeiro trimestre deste ano. “Surpreendeu a taxa baixa e o fato de que não conseguiram migrar quase nada da venda da loja para o site”, diz Lima.
Um dos pontos para o crescimento digital diz respeito à logística. Hoje a Havan tem apenas um centro de distribuição, que fica em Barra Velha, próxima a sua cidade sede no interior de Santa Catarina. Dali, despacha para o país todo, o que torna caro e complexo o abastecimento para Norte ou Nordeste, na visão de especialistas. A Lojas Americanas tem 17 centros.
Hang atribui boa parte do preço almejado na sua ida à bolsa ao negócio tradicional da companhia, mas também diz que há uma avenida a explorar no segmento digital e em serviços financeiros.
Ele diz a investidores que, pelo tamanho e estoque das lojas, tem na prática 150 centros – enquanto concorrentes não têm área em loja para um suporte logístico na mesma magnitude. A rede argumentou nas reuniões que já tem tecnologia na gestão – citando o uso de RFID, sistema de identificação por radiofreqüência que reduz perdas e aumenta eficiência no estoque.
O negócio digital é de capital intensivo, como mostra a experiência da concorrência. Na B2W, já foram R$ 11 bilhões levantados em ofertas de ações para investimentos em plataforma e logística em sete anos – e a B2W vale hoje R$ 58 bilhões na bolsa, um múltiplo de quase 100 vezes seu Ebitda. A Lojas Americanas, no entanto, tem múltiplo em torno de 15 vezes.
Na parte de serviços financeiros, a Havan já tem 4 milhões de clientes com seus cartões de crédito, vende seguros e pacotes de viagem. Conforme o prospecto da oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), a companhia prepara-se para lançar ainda este ano o Havan Bank, com conta corrente e empréstimos – mas sem o risco financeiro e regulatório, que !caria com uma instituição financeira sócia.
Na avaliação de Alberto Serrentino, diretor da consultoria Varese Retail, a Havan pode até defender que seu trunfo é mesmo a rede física – mas isso teria consequência na precificação do papel.
“A fortaleza é a rota de crescimento à margem das grandes redes, tanto de hipermercados quando magazines, com uma cultura forte e uma ligação forte com fornecedores”, diz.
Dois fornecedores, um de moda e outro de roupa de cama, contam que há espírito de parceria e que a Havan ajuda a financiar as operações – mas muitas vezes os fabricantes cedem a certas condições, como acontece no grande varejo de forma geral. Um deles, com fábrica no Sul do país, diz que os fornecedores pequenos dependem muito da Havan, compradora em grande escala. “Tem essa visão de ‘ganha-ganha’ para ambos os lados, mas o fabricante precisa deles e isso sempre causa desequilíbrio”, resume.
A Havan tem a cultura da “simplicidade”, assim como outras varejistas que nasceram no interior. “O Magazine Luiza tem muito dessa essência ainda, mesmo sendo uma empresa moderna hoje. Na Havan, isso também é muito forte, com ‘turnover’ baixo, uma cultura de interior, de ter o discurso de crescer junto”, diz Serrentino.
São mais de 21 mil funcionários. Chegar a gerente de loja é um marco importante. Signi!ca ser responsável por uma área grande de loja e de estoque. Para o funcionário que atinge o posto, Hang entrega o que chama de “sandálias da humildade” – um chinelo de dedo com o símbolo e valores da loja impressos. A família Havan, como Hang chama os funcionários, é ativa nas redes sociais e enfrentamentos contra sindicatos do comércio em defesa do patrão. Em cidades como Passo Fundo e Santa Maria, no Sul do país, sindicatos questionaram a Havan por não fazer pagamento adicional de salário em !ns de semana e feriados conforme os acordos coletivos – e foram eles quem entraram em embate.
Um provável questionamento do mercado virá na frente de governança, dizem consultores e analistas. A Havan não tem a formação completa do conselho de administração. As transações com partes relacionadas (leia-se, a Havan com Hang) incluem área imobiliária, serviços e !nanças. Não é algo incomum no varejo – Abilio Diniz sempre alugou lojas ao GPA e Michael Klein faz o mesmo com a Via Varejo. As empresas que pertencem a Hang estão sendo redistribuídas, de forma que algumas terão contratos de partes relacionadas !rmados com a Havan e outras serão incorporadas pela empresa listada em bolsa.
Durante a pandemia, para garantir a liquidez, a varejista vendeu R$ 1,8 bilhão em recebíveis ao FIDC de Hang, que é segregado. A Havan ainda compra parte da energia elétrica de uma empresa comercializadora que pertence ao empresári, que também é dono de um braço imobiliário. No prospecto, a Havan informa que, após o IPO, vai descontinuar a operação de antecipação de recebíveis.
Na área imobiliária, a Havan tem contratos de locação com cinco empresas controladas por Hang que continuarão segregadas.
“Nesses casos, fundamental é que sejam contratos respaldados por práticas e condições de mercado, sem favorecimentos a nenhuma das partes”, diz um executivo de comitê de auditoria.
Hang também tem empresas que se !nanciam na Havan para construir lojas para a rede, e ao !m da construção, essas lojas são alugadas à Havan. A locação de ativos de sócios controladores não é rara no setor, mas demanda controles estritos. Segundo nota explicativa de balanço deste ano, a Havan faz adiantamentos para financiamento da construção de lojas. Os valores adiantados são atualizados e compensados com os valores de aluguéis mensais, após a loja entrar em operação. Eram R$ 260 milhões em adiantamento de obras em junho. “Os aluguéis são definidos entre 1% e 1,5% do valor dos imóveis”, diz a nota.
Executivos do setor dizem que não é uma relação incomum entre empresas de uma mesmo controlador, mas apenas que exige maior nível de governança, transparência e controles. “A melhor resposta para companhias personalistas com donos folclóricos é uma governança impecável. Ou isso será exigido ou descontado”, diz um executivo de banco de investimento.
Procurado, Hang não concedeu entrevista. A empresa informou que está em período de silêncio, conforme documentação já disponibilizada no site da CVM, e não irá se manifestar.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/03/a-jabuticaba-tenta-atrair-investidores.ghtml

 

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