Em 5 meses, varejo prepara mais IPOs que em uma década

(Valor Econômico)
Por Adriana Mattos

As 16 ofertas somam R$ 27,3 bi e ao menos 7 são de redes regionais, fora do eixo Rio-São Paulo.

Uma década e meia em cinco meses ou metade do que se viu em quase um século. A janela de mercado que se abriu para as ofertas públicas iniciais de ações no país (IPOs, na sigla em inglês) fez o varejo alcançar um recorde de operações na bolsa e, pela primeira vez, com volume representativo de redes regionais, fora do eixo Rio-São Paulo, que nem sequer estavam no radar de gestores e analistas. Grandes fundos, sócios de algumas dessas empresas, saíram dos negócios ou estudam se desfazer de parte de suas participações com os IPOs. Entre abril e agosto, 16 ofertas foram montadas (entre as já concluídas e em andamento) e devem movimentar R$ 27,3 bilhões, apurou o Valor. É mais que o volume da última década e meia, quando 17 IPOs no setor movimentaram R$ 18,8 bilhões de 2005 a 2019.
Esse movimento já leva a um ajuste de expectativas, com o mercado mais seletivo e atento aos cálculos de preços. Segundo levantamento da consultoria Varese Retail feito a pedido do Valor, desde a primeira abertura de capital do setor, em 1940, com a oferta de Lojas Americanas, foram 33 IPOs, ou seja, atingisse agora a metade do número registrado em 80 anos. É um volume menor apenas que o da construção civil, que lidera as aberturas de capital hoje. Com isso, o total de varejistas com ações negociadas na B3 deve passar de 24 antes de março para, pelo menos, 40, se todos os processos forem concluídos.

Das 16 operações, quatro já foram realizadas (D1000, Quero-Quero, Grupo Soma e Pague Menos), três estão em andamento, como apurou o Valor (Tok&Stok, Pernambucanas e Kalunga), enove, com prospecto já protocolado, devem ser lançadas até fim do ano.
Abriu-se, com isso, discussões em torno da qualidade dos ativos e da interiorização do varejo de capital aberto. Segundo consultores, o alto volume de operações, em plena pandemia que afetou o consumo, se justiça pela busca de investidores por empresas com foco em produtos essenciais, como supermercados, segmento “pet” e farmácias, e negócios digitais, mais resilientes. Mais da metade dos IPOs estão nessas áreas.
“Este ano tem sido sustentado pelo auxílio emergencial, que já ajudou muito esses setores; 2021 será bem mais difícil, mas mesmo sem o auxílio, essas empresas sofrem menos”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores.
Para Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos, o excesso de liquidez no mercado aumentou a demanda por ativos de risco, mas há também um represamento das ofertas no varejo há anos.
“Muitos fundos que são sócios buscavam o IPO para o desinvestimento, mas não houve condições ou tempo hábil para a saída, e agora há”, diz.
Nesse grupo, o caso de maior destaque é a saída da gestora americana Advent International da varejista de material de construção Quero-Quero. Fundo da gestora tinha 88% das ações ONs, fatia agora reduzida a zero. Saiu com mais de R$ 1,8 bilhão da oferta de R$ 2,2 bilhões, após 12 anos na rede – e pagou R$ 300 milhões em 2008. Outro caso é da Warburg Pincus, sócia da rede Petz. O fundo da gestora, com 55% da cadeia, deve, no mínimo, reduzir a sua posição a menos da metade, de 55% para 21%, segundo prospecto. Se forem vendidos lotes extras de ações, a posição cai para 5,5%.
Na mesma linha, fundo da Vinci Partners, que colocou R$ 250 milhões na rede de departamentos Le Biscuit entre 2012 e 2017, e o private equity britânico Actis, sócio desde 2010 da rede paranaense de supermercados CSD, também reduzirão suas fatias, hoje em 45% e 30%, respectivamente. As operações da Le Biscuit e CSD ainda estão em andamento.
Para Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, os IPOs estão saindo também porque “faltam novas e boas histórias no varejo”, como há anos se vê em mercados de capitais mais maduros.
“Não são ofertas em decorrência apenas dessa montanha de liquidez. O mercado está atrás de mais ‘cases’ no varejo, além de Magazine Luiza e Renner, em parte porque alguns ativos já caminham para suas máximas históricas, e pela perspectivas do avanço do digital após a pandemia, o que também dá um fôlego maior a tudo isso”.
Não há dúvida que investidores buscam cadeias com um braço on-line mais robusto, mas avaliações de empresas com preços “esticados” fez o mercado fazer mais conta, dizem dois analistas ouvidos. Além disso, números de parte das redes mostram prejuízo ou lucro em queda, e nem todos os prospectos trazem detalhamento de informações. A maioria das redes será listada no Novo Mercado, nível mais alto de governança.
“Isso tudo acabou acendendo o sinal amarelo. Há algumas operações que não se esperava, fora do radar, dentro do discurso da digitalização, e outras para reduzir dívida e até para pagar dividendo”, diz o sócio de uma gestora. Em processo de IPO, a Track & Field propõe criação de uma ação as ONs. Isso permite a emissão de um décimo da quantidade de PNs. “No !m, a ideia é que mesmo com a diluição, os fundadores mantenham o poder decisório”, diz o gestor. Parte dos recursos ainda será usado para pagar dividendos declarados aos sócios da rede em 2019.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/08/em-5-meses-varejo-prepara-mais-ipos-que-em-uma-decada.ghtml
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