O modelo de crescimento chinês do varejo se esgotou

Para o consultor Alberto Serrentino, o desafio das redes brasileiras agora será disputar um mercado que crescerá em menor ritmo, num ambiente cada vez mais competitivo.

Nestes tempos de paralisia nos negócios devido à retração do consumo e uma preocupante crise econômica agravada com confusão política, nem o mais otimista dos empresários do varejo está conseguindo sustentar uma atitude de desassombrada confiança

Entrevistado pelo Diário do Comércio no dia 19 de março passado, quando seus colegas já tiravam o pé do acelerador, Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, anunciou que a rede investiria R$ 580 milhões na abertura de mais 40 lojas em 2015, número que se repetiria no ano seguinte.

“Sou pessimista no curto prazo e extremamente otimista no médio e no longo prazo”, declarou Rocha. “Como o que nos move é a próxima geração, e não o próximo trimestre, nossa vida na Riachuelo está absolutamente normal, mantendo o plano de expansão extremamente agressivo”.

Sexta-feira passada (23/10), porém, a Guararapes, holding controladora da Lojas Riachuelo, revisou para baixo sua projeção de inaugurações de novas lojas. Em vez de 80, deverão ser abertos 28 pontos de vendas neste ano e outros 15 em 2016, totalizando 43 unidades.

Na mesma nota, a companhia lembrava que mesmo esse número dependerá da conclusão das obras de shopping centers onde serão instaladas e que, portanto, a previsão pode ser novamente alterada.

O caso da Riachuelo, evidentemente, não é isolado. Depois de registrar queda de quase 25% nas vendas e de 22,7% da receita líquida no terceiro trimestre, a Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, decidiu cerrar as portas de 31 lojas deficitárias, a exemplo de centenas de concessionárias de veículos Brasil afora.

A mineira Zema, com pouco mais de 500 lojas, começou o ano com planos de abrir mais 35 pontos de venda em 2015. Em vez disso, fechou 17 pontos de venda.

Com receita de aproximadamente R$ 900 milhões, a Eletrosom, tradicional rede de Minas Gerais, já foi forçada a entrar com pedido de recuperação judicial.

Renner e Magazine Luiza, entre outras gigantes do varejo, tentam renegociar preços de aluguéis de suas lojas.

A Marisa, uma das mais celebradas redes de moda feminina, decidiu interromper sua operação de venda direta e cortar bônus milionários de executivos neste ano. As ações das redes para enfrentar este período de queda acentuada no faturamento, e até prejuízo, vão desde fechamento de lojas e demissões até reavaliações mais profundas do próprio negócio.

“O modelo de crescimento do varejo, com taxas agressivas de expansão, se esgotou”, afirma o consultor Alberto Serrentino, que lança nesta semana o livro livro “Varejo e Brasil: Reflexões Estratégicas”. “O varejo não vai mais registrar taxas chinesas de crescimento, como acontecia no período de ‘boom’ econômico.”

Num setor que viveu, até 2013, uma década de ouro, com crescimento de vendas de até dois dígitos, quase nenhum empresário previa que o tombo no consumo seria tão acentuado como o que se vê neste ano.

“Está muito difícil decifrar o que vem pela frente. Mas as empresas que possuem uma visão de longo prazo, não devem se acovardar. Essa fase ruim vai passar”, afirma Serrentino. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Após viver uma experiência de 30 anos como consultor, o sr. está lançando um livro que traz reflexões sobre o varejo. Como está o setor neste momento?

Este ano está sendo muito ruim para o varejo, que vive desde 2013 um novo ciclo. O que se observa é um claro movimento de desaceleração.

Isso definiu novos desafios para as empresas. O varejo previa passar por um processo de aterrissagem suave, uma desaceleração progressiva, e que teria de associar a expansão à pauta de produtividade, olhando muito mais para eficiência, produtividade e gestão, sabendo que teria de aprender a lidar com um mercado muito mais competitivo.

O que ninguém previa era uma derrocada tão forte como esta, que é absolutamente pontual. A somatória de alguns fatores fez com que este ano fosse muito pior do que deveria por conta de barbeiragens na política econômica.

O varejo começou o ano acreditando que 2015 seria um ano difícil. Depois, passou a ver que seria um ano ruim. Agora, para alguns segmentos, o ano está péssimo, com queda real de faturamento.

Não gosto de considerar apenas a fotografia do momento, porque se perde a perspectiva de evolução. O varejo brasileiro amadureceu em ciclos e vive um novo ciclo desde 2013.

Quais são esses ciclos?

São ciclos de evolução e amadurecimento. Até o Plano Real havia uma fase, aí zerou o jogo. O varejo teve que reaprender o negócio. Mudou tudo por conta da abertura econômica, estabilização da inflação, aumento da competição e entrada de empresas internacionais.

De 2003 a 2012, o setor viveu o ciclo da explosão de consumo. Em cada ciclo houve uma trajetória de amadurecimento, que se deu pelo aumento da formalidade, pela expansão do crédito, pela entrada de empresas internacionais, pelos movimentos de fusões e aquisições, pela entrada de investidores internacionais, pela melhora de governança, pelo melhor nível de transparência, pela melhora de controles e de gestão, pela incorporação de tecnologias.

Isso aconteceu mais com as grandes redes, não?

Não, isso desceu para todo o varejo. O Simples formalizou o pequeno lojista. A tecnologia, hoje, não é privilegio de grande. Hoje o pequeno varejo tem acesso a tecnologias, a boas práticas de gestão.

O que deve acontecer com as grandes redes, como a Via Varejo, o Magazine Luiza, a Riachuelo? Vão fechar o ano com prejuízo?

As redes de bens duráveis, muito provavelmente, vão fechar o ano com vendas menores do que as do ano passado, pois os números até agora não são bons. As vendas, considerando as mesmas lojas, estão caindo entre 5% e 15%, dependendo da rede, na comparação com o ano passado.

Algumas redes tentam compensar isso com a abertura de novas lojas. Existe um movimento de loja fechar de um lado e abrir do outro.

O fundamental, no curto prazo, é olhar o cenário com frieza, analisar a perspectiva da empresa, sem entrar numa onda de pânico coletivo, ter um rigor muito grande na gestão do caixa.

O que garante a sobrevivência na tormenta é o caixa. É preciso ter liquidez e geração de caixa porque se precisar de banco neste momento, não vai ter.

A Lojas Marisa, por exemplo, tem tomada alguns ações para reforçar o caixa, como a saída do mercado de venda direta. Como o sr avalia isso?

A Marisa terá que fazer um ajuste um pouco mais profundo do que outras empresas do setor, porque está com um nível de resultado pior. E quando uma empresa perde mais do que outras, tem de correr mais.

Mas a Marisa é uma empresa que possui uma conexão muito forte com a mulher de classe C que, neste momento, é mais sacrificada, perde renda, emprego e está cortando o consumo.

Mas, em algum momento, isso se reverte. A marca é forte, tem presença nacional. Talvez tenha que fazer ajuste de preços, produtos, algum encolhimento de lojas para poder ser mais eficiente em sua operação. Mas, com certeza, a rede vai passar muito bem por essa fase.

A família Klein, sócia do Casino, que controla o GPA, enviou para o conselho do grupo carta contestando a política de preços nas vendas online, que estariam mais agressivas do que nas lojas físicas, prejudicando as vendas nas lojas físicas da Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), controlada pelo GPA. Isso tem tudo a ver com a crise, não?

É mais uma questão de governança e de estratégia de relacionamento entre canais físicos e digitais.

Se você olhar para as empresas que possuem os dois canais, elas já fazem isso, vendem mais barato no online do que no off-line. A questão é de governança e, como são empresas distintas, você tem um conflito para ser harmonizado. A Via Varejo é sólida, robusta, tem boa gestão, bom controle, mas está em um setor que está sofrendo mais do que outros.

Mas vamos lembrar também que este setor foi aquele que mais se beneficiou no boom econômico e que tem ainda muita gordura.

É um setor que cresceu muito no Brasil. Dois anos mais difíceis não vão derrubar essas empresas que possuem colchão, resistência para enfrentar a crise.

Em seu livro, o sr. afirmaque o lojista precisa pensar simples. Como fazer isso?

O principio fundamental no varejo é pensar simples. O varejo é um negócio que, na sua essência, é simples e incrivelmente desafiador na execução, porque há muita gente interagindo com muita gente.

A coisa mais difícil no varejo é conseguir fazer o básico funcionar bem.

O básico é saber quem é o cliente, acertar o mix de produtos para esse cliente, ter uma loja na qual é fácil chegar e entrar, encontrar os produtos, ter disponibilidade de produtos, saber precificar, ter uma loja na qual todos os processos funcionam, enfim, ter uma operação que flui, ter alguém que responda no pós-venda.

Todas essas situações que envolvem o varejo são difíceis de serem bem executadas. E, quanto maior a operação, diferentemente de outros setores, em vez de ter economias de escala, há perda de consistência na execução.

Quais serão os legados positivos deste cenário para as empresas?

Está havendo um ajuste necessário no mercado imobiliário, os custos de ocupação estão caindo, e precisam cair, porque as lojas não estavam mais conseguindo pagar a conta. Isso, portanto, vai ser saudável.

Outro ponto diz respeito ao turn over de mão de obra, que despencou, e isso é muito bom, pois estavam insustentáveis, em níveis alarmantes.

E não só diminuiu o turn over como também melhorou o grau de engajamento dos profissionais com a empresa. E aí a empresa consegue se desenvolver, apostar nas pessoas e aumentar a produtividade.

As empresas estão também aproveitando o cenário para tomar as decisões difíceis que foram postergadas quando tudo ia bem.

Fecha loja deficitária, mata produto deficitário, revê áreas de lojas e desativa as improdutivas; tem mais rigor com pessoas na avaliação de produtividade e desempenho. Então, as empresas vão sair disso mais enxutas, mais leves, mais produtivas, mais eficientes e muito mais preparadas para crescer.

Inovação é um tema recorrente no setor. Inovação, por exemplo, é vender pela internet? Fazer como a loja da Apple na qual cada vendedor faz a venda e recebe do cliente por meio de um tablet?

Inovação é tudo aquilo que permite gerar mais valor tangível na relação com o consumidor final.

O varejo pode inovar no produto, na comunicação, no formato e na experiência de loja, nos serviços, na aplicação de tecnologias, nos canais, no modelo de negócio. O que é determinante é que inovação é algo que faz sentido e leva empresa ao sucesso nos resultados, se ela é capaz de gerar mais valor para o consumidor final e traduzir esse valor em resultado.

Na sua avaliação, até quando a crise deve se estender?

Ninguém sabe, pois os componentes que estão aprofundando a crise não são econômicos.

O que nos levou a essa situação foram o descontrole na política fiscal, o aumento da inflação, a postergação de correção de tarifas de energia, água, combustíveis, que resultaram numa explosão de reajustes no primeiro semestre.

O ano teria sido difícil, duro, mas tudo isso era previsto. Mas a situação política e a deterioração da confiança estão fazendo isso ser muito mais longo do que precisaria.

Acho que essa crise não passa de 2016. Acredito que, em algum momento no ano que vem, começaremos a ver sintomas de retomada. 2017 já deverá ser um ano de crescimento.

Como o varejo vai sair dessa crise?

Mais leve, eficiente, produtivo e, provavelmente, com alguma depuração. Você vai ter no meio do caminho fechamento de lojas, encolhimento de algumas redes. Talvez, algumas não aguentem e fiquem no meio do caminho, mas quem sair dessa situação vai sair melhor.

Veja a matéria completa no Diário do Comércio

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